Tesouros do meu "Terreiro"

Há alguns anos, em uma palestra no Senac São Paulo, com renomados chefes e que eram discutidos os terroirs eu fiz uma pergunta......."Se terroir é tudo que dá naquele pedaço de terra, então o terreiro (quintal mineiro) é o nosso terroir?  Pois o chuchu que dá na minha cerca não é igual ao da cerca do vizinho".......
Isso poderia render uma outra palestra, mas acabou virando discussões separadas com o Dória, o Traldi, a Neide Rigo, Guta Chaves.........
Na época eu tinha acabado de alugar a casa, onde hoje funciona o Kitanda Brasil, e o "terreiro" ainda era um matagal.  Ele foi roçado, ganhou alguns canteiros, um caramanchão, a jabuticabeira centenária pareceu mais frondosa e na primeira florada do ipê amarelo eu vi que tinha um pote de ouro no fim do arco iris.
O terreiro começou a ganhar vida, com sementes, mudinhas que ganhei de amigos e que hoje são usadas nas minhas preparações.  Cada planta tem sua história e é uma delícia colher o que foi plantado pelas minhas mãos.

Esse é o primeiro limão siciliano.  As folhas já foram muito usadas, no tempero do feijão, no frango assado, na galinhada.....mas o fruto é o primeiro de muitos


"Jambu"  A primeira vez que trouxe uma muda para Gonçalves foi presente do Sérgio, um amigo do Senac e que o pai tinha plantado em Lorena.  Não apostei que uma erva do norte resistisse ao nosso frio.  Não só resistiu como se espalhou e hoje tem filhotes por muitos cantos, pois nem sei quantas mudas já sairam desse canteiro.  Aqui, no kitanda, ele vira "pesto de jambu com castanha do pará", tempera a "Truta no Tucupi" e sua flor é usada na calda do "Pudim de Claras"

"Ora pro Nobis"
A primeira que chegou em casa também foi presente de amigas muito queridas, a Eleila e a Luciana, de Tiradentes.  Era uma mudinha mirradinha, que parecia não ter força alguma e foi colocada na terra, ao lado de uma cerca que separava a horta das cachorras......O pé cresceu, tornou-se cerca viva, mas eu não pude colher suas folhas porque mudei de casa e o presente ficou para a moradora atual, gosto de deixar presentes.  Os pés que tenho aqui no Kitanda Brasil eu não me lembro da onde veio.  Será que é filho da cerca que deixei pra trás?  Acho que sim......então o presente da Eleila e da Lu está aqui comigo, também.
Hoje é usada em saladas, no frango, na truta, na costelinha e como recheio de massas.

"Tomate de Árvore"
Essa foi minha grande paixão, quando cheguei em Gonçalves.  Foi no começo das importações de frutas colombianas, pelo Pão de Açúcar, e eu conhecia como "tamarijo".  Chegar aqui e saber que era nativo, que as pessoas comiam com arroz e feijão me deu uma alegria enorme e esse é o segundo ano que ele vai virar ingrediente dos pratos.  Faço chutney, molho para saladas, coulis para sorvete de cupuaçu, geléia, e como puro com sal e cerveja......numa tarde quente como a de hoje é um grande presente.

"Taioba"
Essa foi plantada por minha mãe, no momento da montagem da horta.  Faz parte das verduras de infância, da dela e da minha.  Esse é um prato que foi passado de geração para geração, porque minhas sobrinhas também adoram.
Servimos refogada como couve, em farofa, bolinho, charutinhos recheados com costelinha assada e crocante de canjiquinha.......

"Cravo"
Esse também eu conheci em Gonçalves.  Nunca tinha visto um pé de cravo e a primeira vez que alguém rasgou uma folha e a trouxe perto do meu nariz eu enlouqueci.  Esqueci as flores de cravo e passei a usar somente as folhas.
No ano passado achei uma muda em um viveiro de beira de estrada, a plantei, e depois de um inverno rigoroso e chuvas eu achei que ela tivesse morrido.  Ficou só um galho seco.  Agora para nossa surpresa ele está aí.....lindo, carregado de folhas, prontas para serem colhidas e usadas em doces, carnes, massas, molhos e chás.

"Curry"
Esse eu conheci em um restaurante indiano, em São Paulo.  Até aquele momento eu acreditava que curry era aquele pó amarelo que tem um sabor bem característico da comida indiana e foi quando o chefe do restaurante me explicou que aquilo era uma massala e que o curry era um dos temperos da massala, era uma folha.  Procurei durante anos uma muda de curry, até que esse mesmo chefe do restaurante Govinda, me disse que tinha um produtor de mudas em Campinas.  Para minha surpresa achei a planta no restaurante Frango Assado, da rodovia Airton Senna e comprei logo duas mudas.  Uma não sobreviveu e eu achei que essa também iria pelo mesmo caminho.  Mas não.....como o cravo ela resistiu as tempestades e está aí, vistosa.  Meu amigo Nelo Linguanoto, da Bombay, disse que ela vai dar uns frutinhos vermelhos que tem um sabor maravilhoso.  Enquanto isso não acontece vou usando as folhas em guisados, feijão, arroz, peixes, moqueca de caju e de banana e semana passada fiz um pudim de leite aromatizado com curry....ficou "dos deuses", indianos......


"Azedinha"
Também do meu terreiro.  Também conheci nessa cidade mágica.  Também foi uma surpresa.
Comi pela primeira vez em uma mesa de saladas, em um restaurante de comida caseira, aqui na cidade, o restaurante do Chiquinho.
"Que engraçado, não coloquei limão na salada e ela está completamente ácida".....a dona do restaurante riu e me explicou que a acidez era da folha.  Não pude acreditar, eu que me achava gourmet, conhecedora de sabores, que era da cidade onde se achava de tudo......como não tinha conhecido, até aquele dia, aquela maravilha?
Depois disso vi que em empórios e supermercados de São Paulo essa verdura, que aqui em Gonçalves é mato, era vendia por R$ 7,00 algumas folhinhas.
Comecei a procurar receitas e vi que na França ela era usada em caldos e agora abuso disso aqui em Gonçalves.  Faço purê de batatas com azedinha, caldo de mandioquinha com azedinha, vinagrete de azedinha, risoto de azedinha com queijo da canastra........
Quando ela é cozida perde a acidez e dá um sabor muito especial aos pratos.

"Coentro"
Esse foi outro presente.  Ganhei em Paraty, quando fui dar um curso de geléias, em 2004.  Ele também estava plantado na casa antiga e eu trouxe apenas uma mudinha e ele virou uma moita.  Hoje eu aromatizo azeite de dendê e azeite "doce" (de oliva), com ele e mando para a mesa para o cliente colocar sobre a moqueca.

Esse é o meu terreiro, meu terroir, meu tesouro........

4 comentários:

  1. Nossa, tudo de maravilhoso, coisas incríveis. Amei sua Kitanda! Está aberta para encomendas?
    Beijos e muito sucesso!

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  2. Sim, aceitamos encomendas. Me mande um e-mail dizendo o que lhe agrada.
    tanearomao@kitandabrasil.com.br

    abraços e obrigada

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  3. dá vontade de experimentar tudo.
    saudades de um dia no seu terreiro.

    beijos e uma ótima semana.

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    1. Saudades de um dia com vocês.....no meu terreiro ou na sua sala....

      beijos e boa semana, também.

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