Lembranças de Infância......

Sempre vivi em casas humildes, com minha mãe fazendo de conta que a Sopa de Fubá para um adulto e três crianças cozida em um grande caldeirão, sobre uma "trempe" de tijolos, era um pique-nique e não porque tinha acabado o gás e o salário do mês também. Era uma festa.....toalha do chão do quintal, pequenos banquinhos, uma mesa feita com tronco de árvore e três crianças com o pratinho na mão comendo aquela sopa quentinha e aconchegante. Aos finais de semana essa mulher pegava os mesmos três filhos, os arrumava para um passeio, colocava a mochila de cada um em suas costas e partia rumo a casa da cunhada, que tinha quatro filhos, uma mãe e um pai idosos, uma irmã e uma casa com fogão à lenha, forno de barro no "terreiro" (quintal), galinheiro, viveiro de coelhos, codornas, patos e uma horta com serralha, chicória, ora-pro-nobis, taioba, azedinha, peixinho da horta e mais uma infinidade de "mato a toa", que era como se nomeava as plantas que cresciam sozinhas mas que não seriam desprezadas no preparo do almoço ou jantar. Quando eu tinha sete anos e meus irmãos seis e quatro, fomos morar em São Paulo. Cidade grande, com as luzes de natal piscando e tornando o Largo Tito, na Vila Romana, o cenário mais lindo que já vi. Aquelas luzes na minha visão de criança eram como hoje, as luzes de Nova Iorque ou Toquio. Naquele instante me apaixonei por São Paulo e pensei que ali sim, o "papai noel" deixava presentes para todas as crianças, era só fazer um pedido. Fiz o meu baixinho e, até hoje, ele vem encher a minha meia pendurada na janela. Pedi que nunca mais faltasse comida na mesa da minha casa e que não precisassemos visitar parentes só para ter o que comer.......e olha como aquelas luzes eram mágicas mesmo......Hoje eu alimento pessoas. O tempo passou, minha mãe conseguiu um bom emprego na "cidade grande", fomos morar na Lapa onde todos os sábados minha avó ia até o mercado, comprava a galinha viva e a preparava para a família toda sentar em volta da mesa. Ela era servida ao molho pardo, com quiabo, ensopada mas com o sangue sendo jogado sobre o caldo, sem mexer, e aí ele coagulava e virava um pedaço, que como a moela e o coração era disputado por aquelas crianças que gostavam de biscoito de polvilho e não de biscoito de pacote. Nossa situação era muito mais confortável e nossa mochila continuou sendo colocada nas costas, duas vezes por ano. Minha mãe dividia as férias, na empresa, em 10 dias em janeiro e 10 dias em julho e vendia 10 para podermos viajar. Voltávamos a Franca, tomando um trem na estação da Luz, rumo a Ribeirão Preto, onde passavamos, para o meu irmão ser abençoado pelos padrinhos. Eu ansiava por aquele dia, porque sabia que ia andar de vagão em vagão da velha Mogiana e claro que ia me sentar nos bancos do Vagão Restaurante, como se fosse uma adulta, naqueles bancos altos e receberia de brinde um copo de uma bebida vermelha como a servida aos adultos, mas a minha não era bitter, era groselha com água com gás. Quando cresci e fui passageira na última viagem do Trem da Prata eu pedi um bitter no vagão restaurante e fiquei completamente decepcionada, e olha que adoro bitter, mas eu podia jurar que em trens ele perderia o amargor e teria o sabor das minhas viagens de infância. O tempo passou, as lembranças ficaram vivas em minha memória e hoje, de novo em terras estrangeiras dentro do meu próprio país, me bateu uma saudade daqueles sabores. Talvez por caminhar pelo quintal e perceber que a pequena árvore que eu não consegui identificar quando cheguei aqui em Tiradentes estava com os frutos maduros e ao pegar um e morder.....voltei a ter 5 anos e me emocionei com o arquivo do sabor. Fui transportada por campos cheios dessa pequena árvore, que mais parece um arbusto, que eu jurava nunca ter visto. Voltei a sentir as mãos grandes do meu pai, segurando as minhas, voltei a sentir sua barba roçando meu rosto delicado quando me segurava para eu alcançar a pequena fruta amarela que me parecia uma mini goiaba. Caminhando ainda por esse pequeno "terreiro" (quintal) aqui em Tiradentes, onde o Kitanda Brasil está instalado eu continuei a viagem e topei com uma lembrança ainda mais forte....colhi um pequeno fruto aveludado e deixei-o explodir em minha boca, seu caroço estava envolvido por uma polpa doce e sedosa.....e eu pude sentir, de novo, o perfume da loção pós barba do meu pai, me mostrando frutos que faziam parte da sua história e que um dia fariam da minha. Senti uma lágrima me escorrer pelo canto do olho e deixer vir a emoção por uma coisa tão simples.....por Ter Gabirobas e Uvaias no meu quintal e por isso me trazer a mesma sensação de quando fui recebida na cidade grande pelas luzes de Natal. Em seguida......a minha nova casa tremeu e o céu foi iluminado, não por luzes de Natal por um raio que parecia ter dividido a Serra de São José ao meio e isso me deu uma certeza......aportei o meu barco na cidade certa e fui recebida pelas luzes de natal em pleno outubro. E nesse pequeno porto eu sinto todos os cheiros e sabores da minha infância.....minha meia, pendurada nas janelas, das terras onde aporto, dessa vez ganhou Uma mangueira carregada de manga coquinho, uma amoreira de amoras gigantes onde as maritacas tomam seu café da manhã, cana que foi moída aqui mesmo e depois de 2 horas de cozimento me deu o melado mais "doce" que já saboreei na minha vida e isso me fez sentir o bitter com o gosto da groselha......

2 comentários:

  1. Cheguei aqui pelo facebook do "cuecas na cozinha" - Ales...adorei seu texto e chorei com as mesmas lembranças bj

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  2. Você é fantástica Tanea! Ontem conheci alguns sabores que vc provoca e os engarrafa em potinhos como num passe de mágica... Foi através do Rodrigo e da Carla um casal de artesãos de Vitória. Falaram muito bem de você e estou muito feliz com essa nova descoberta em minha vida! Feliz Ano!

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