A Copa 2014 começou na Colômbia - Parte 2

Saímos do Brasil com duas certezas.....cozinhar e comer. Na segunda noite em Bogotá entramos em um taxi e fomos levados a um bairro distante do lugar em que nos encontrávamos. Passamos por ruas escuras, por ruas com pessoas segurando algum tipo de comida, nos pontos de ônibus, por dois homens que brigavam depois de terem bebido um pouco além da conta......e tudo isso porque não podíamos deixar de conhecer o restaurante do chefe peruano, Gaston Acurio. Ao chegarmos fomos recebidos, elegantemente, por um senhor, que nos acompanhou para a mesa que havia sido reservada pelo recepcionista do hotel. Ainda era cedo, pois queríamos aproveitar cada segundo daquele jantar.
Ao nos sentarmos, o garçon, colocou em nossa mesa uma placa de ardósia com fatias de brioches levemente tostados, manteiga com canela, azeite com ervas e pimenta, grissinis de picantes e uma jarra com água aromatizada. Logo depois mergulhamos no cardápio e eu escolhi como entrada um prato que me chamou atenção. O que seriam "Patitas"? a descrição do cardápio era um "tornedor de pé de porco recheado" e foi uma surpresa ao chegar o prato e ver que o pé de porco tinha sido desossado e diferente do que eu faço, que é deixa-lo como uma luva para receber o recheio, esse era cortado ao meio e envolvia o recheio formando os tornedores.
O molho que o acompanhava era leve na textura e pesado no sabor. O peso das pimentas peruanas e posso sentir até hoje, depois de quase 2 anos o sabor daquela combinação de porco com pimentas e vinho tinto.
O prato principal foi um arroz com gosto de mar, e um molho espesso de erva de santa maria que arredondava o sabor picante do prato. Enquanto pedíamos a sobremesa discutíamos a programação para o dia seguinte, que começaria cedo, na cozinha do hotel e claro que no meio da discussão não podia faltar a pergunta de onde seriam as refeições e todos concordamos que teria que ser em um restaurante que nenhum turista tivesse ouvido falar. Um restaurante onde os funcionários da cozinha levassem suas famílias. O dias seguinte chegou, depois de uma noite mágica onde os sabores do jantar habitaram nossas memórias.
A equipe já estava reunida quando entramos na cozinha e todos nos esperavam ansiosos. A cozinha estava disponível para o evento e as preparações dos almoços e jantares do hotel seriam feitas em outra cozinha. Nos organizamos e dividimos a turma e depois vimos que essa divisão era desnecessária porque todos queriam saber que novidades eram aquelas e nos apresentar, orguhosos, sua matéria prima.
Enquanto se torrava o fubá para o "Tutu de Feijão com Fubá Torrado", o polvilho esperava para ser escaldado pelo óleo quente. Esses ingredientes tinham vindo na nossa bagagem e o feijão seria local. Nos garantiram que eles tinham um bom feijão. Quando o astro chegou levamos um susto.....eram grãos que fizeram nossos olhares, o meu e do Carlos Ribeiro, se cruzarem e olhamos admirados para os grãos, imaginando como ficariam depois de cozidos.
Cozinhamos sem pressão e o resultado foi um grão que dobrou de volume e ao ser mordido apresentava uma manteiga adocicada. Nosso pensamento foi o mesmo....."Precisamos levar alguns quilos desse feijão para o Brasil porque com ele faremos o melhor feijão tropeiro das nossas vidas". Nossos auxiliares mostravam-se satisfeitos pela admiração que tínhamos por seus produtos e entre uma cebola e o corte da costelinha nos preparavam pratos locais. Queriam que provássemos de tudo e se mostravam surpresos pela nossa paixão pelos ingredientes locais. Como sempre digo....."Cozinha sem fogo é cozinha sem alma" e os fogos foram acesos e sobre eles as panelas com água fervendo, com temperos fritando, com fundos sendo preparados......a orquestra estava no palco.
Acompanhavam curiosos nossas marinadas e nos mostravam como faziam as deles.
Foram 14 horas na cozinha, que só foram sentidas quando voltamos ao quarto e nos jogamos na cama. Estávamos com o cardápio todo adiantado e no dia seguinte o chefe do hotel e sua sub chefe nos levariam para almoçar em um restaurante local. Nós, cozinheiros, vibravamos. Nosso acompanhante e "fiel escudeiro" se arrepiava de pensar que estávamos pensando em almoçar fora algumas horas antes do evento. Acordamos cedo e assumimos novamente nossos postos. Um dos "deuses mais lindos", segundo Caetano Veloso na canção "oração ao tempo", teria que ser generoso conosco, afinal nosso dia teria que render. Ele foi e às 11 da manhã nossas panelas borbulhavam....
Pausa para o almoço e com o Deus Tempo ao nosso lado tudo correu bem....correu mesmo porque precisaríamos estar de volta em 3 horas para começarmos a fritar os bolinhos e biscoitos do coquetel.
A fachada já nos mostrava que o almoço seria a viagem que buscávamos em cada novo país, em cada nova cultura. Era daqueles restaurantes que não constam nos guias de viagem, que não saem em revistas, que não ganham estrelas.....mas que servem comida, uma belíssima comida. Deixamos que nossos anfitriões escolhessem os pratos que eram apresentados naquele cardápio de madeira.
Os pratos começaram a chegar e pensamos que toda a equipe do hotel deveria ter vindo junto, tamanha era a quantidade de comida.
Apesar de ter comida para a nossa seleção e o time adversário......nós comemos TUDO.....
Tomamos um "digestivo" que era um destilado típico Colombiano, com aniz e resolvemos tomar o café no hotel, afinal iríamos precisar de baldes de café, depois desse almoço "leve". Assumimos a cozinha novamente e a equipe do salão já começava a se preparar......
Nas 2 horas seguintes foram servidos bolos, doces e biscoitos, que não davamos conta de fritar, tamanho foi o sucesso.
Enquanto era servido o coquetel o calor da cozinha aumentava pois em 4 horas serviríamos o jantar. Tudo pronto, convidados chegando, equipe afinada e o coração batendo como toda noite de estréia.
Missão cumprida.....e chegou a hora de darmos uma volta pelo salão..... A delegação brasileira surpresa pela diversidade apresentada. Os estrangeiros surpresos por verem que nossa cozinha vai muito além da feijoada.
E mal sabia eu que a noite tinha terminado mas uma outra história tinha acabado de começar.....Fui convidada pelas representantes da secretaria de Turismo de Minas Gerais, Silvana Nascimento e Lilás Nascimento, a participar do Festival de Gastronomia em Tiradentes, que aconteceria em duas semanas.......e naquele país não foi só a Copa 2014 que começou. Começava ali um novo capítulo da minha história, mas isso é assunto pra um outro post. Amanhecemos famintos e aquele café da manhã, que no primeiro dia nos causou espanto, foi a nossa despedida de Bogotá.
Agora vocês vão me perguntar "Por que a Copa 2014 começou na Colômbia"? e eu vou responder porque foi lá que nasceu a idéia, que parecia distante, de fazer um cardápio inspirado na vivências que tivemos. E aí no meio desse caminho as estradas seguiram outros rumos.....eu decidi viver em Tiradentes e com a proximidade da copa, fazer um cardápio homenageando os times que vão jogar no Mineirão, em Belo Horizonte. E como a vida sempre nos surpreende......O primeiro jogo vai ser exatamente Colômbia e eu vou abrir as portas da minha casa para homenagear quem tão bem me recebeu.

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